Oficina do Tato

Projeto

Rui Oliva Teles

2021

Introdução

Oficina do Tato  é um projeto formativo do  P. Porto desenvolvido pelo Núcleo de Apoio a Inclusão Digital da  Escola Superior de Educação, que pretende promover a inclusão e a integração socioprofissional de jovens em situação de vulnerabilidade, através de um programa de aquisição de competências pessoais e técnicas, baseadas nos novos  paradigmas associados ao Movimento Maker e à utilização de tecnologias disruptivas (prototipagem e fabricação 3D, robótica, iot, prototipagem eletrónica e outros).

O programa parte de um pressuposto socioconstrucionista que valoriza a aprendizagem baseada em projetos e o processo criativo dos participantes, ao mesmo tempo que fomenta as interações criando uma verdadeira comunidade de prática facilitadora da sua integração social e profissional.

Os projetos, concebidos e realizados no FabLab da ESE e nos espaços do próprio Núcleo de Apoio a Inclusão Digital, deverão incluir a construção de um acervo de produtos personalizados de baixa ou média tecnologia e recursos de acessibilidade para  pessoas com deficiência e/ou incapacidade,  com especial relevância para a deficiência visual, mas que e se podem revelar de valor inestimável em diversos contextos ligados à deficiência e incapacidade: escolas de referência para alunos cegos e com baixa visão, ERPI, IPSS, etc. O facto de os projetos se materializarem em produtos com valor social relevante, reforça a matriz integradora do projeto e funciona como facilitador de aquisição de valores de inclusão e empatia, que contribuem para o desenvolvimento pessoal e social dos formandos.

Todos os modelos criados serão disponibilizados em regime de “Open Soure” numa plataforma digital, ou integrados em plataformas internacionais ( e.g. 3DforAll, Thingiverse, etc.) para partilha com a comunidade.

O programa possui, assim, uma dimensão humana (social e pedagógica), técnica (saber fazer, aplicar) e socioeconómica (investimento, retorno financeiro, etc.) e qualquer uma destas dimensões é assegurada por uma equipa específica.  Está também prevista a existência de um parceiro comercial para apoio técnico relativamente aos equipamentos necessários, que apoiará a instituição (entidade promotora) nas questões logísticas.

Objetivos

  1. Estimular o gosto pelo fazer (DIY) a aprendizagem de técnicas de desenho, prototipagem digital e fabricação 3D, com vista à definição de   itinerários de inserção personalizados que permitam melhorar a empregabilidade e o acesso ao mercado de trabalho;
  2. Promover competências transversais de trabalho em equipa, apresentação das sua próprias ideias, etc., estimulando a criatividade e o “critical thinking” e oferecendo oportunidades de emancipação e desenvolvimento pessoal e social;
  3. Desenvolver produtos de relevância social ou que permitam a sustentabilidade do projeto e a disseminação de ideias, no respeito pelos valores da partilha e solidariedade.

Metodologia

As metodologias que propomos para a realização deste projeto são baseadas no Design Thinking e na aprendizagem baseada em projetos (PBL), realçando a importância do trabalho colaborativo e o apoio mútuo autorregulado.

Sempre que possível, os alunos serão capazes de colocar em prática as suas próprias ideias ou, em resposta a sugestões de trabalho, terão espaços para refletir, pesquisar e gerar novas ideias. Ao organizar o trabalho em equipa, podem comunicar as suas conquistas e sentir a capacidade de enfrentar novos desafios dentro e fora do espaço de trabalho. O erro será sempre parte integrante e entendido como uma etapa do processo.

Os produtos finais passam a fazer parte de um repositório em suporte digital aberto à transformação por parte de outras pessoas. A construção de produtos de apoio de baixa e média tecnologia para pessoas com deficiência e/ou incapacidade pode também reforçar o sentido de responsabilidade social e consequentemente a autoestima e reforço de um quadro de valores que seja também facilitador de um processo de integração profissional.

Atividades

O projeto é desenvolvido em quatro fases sequenciais, com a duração de um semestre cada uma, ou seja, num horizonte temporal de dois anos.

1 Fase (Conhecer)

Formação – 120 horas (15 semanas)

O programa inicia-se com um processo formativo e de integração, seguindo um modelo formal previamente estabelecido e com uma periodicidade de dois dias por semana. A abordagem é feita em duas dimensões: técnica e psicossocial.

Na dimensão técnica, contamos com um formador/facilitador com um perfil alinhado com o espírito Maker e com experiência técnica e pedagógica adequada. Deverá focar aspetos técnicos e de segurança das diversas ferramentas e áreas de trabalho, garantindo também um nivelamento de competências, tendo em conta a heterogeneidade do grupo. Poderá consistir, inicialmente, na dissecação de brinquedos, desenvolvimento de peças artísticas ou lúdicas, com recurso a baixa e média tecnologia.

Trata-se de processo dinâmico, em que os formandos adquirem uma dinâmica própria e gosto pelo fazer e pelo criar. A dimensão psicossocial será assegurada por uma psicóloga, coadjuvada pelo Centro de Intervenção Psicopedagógica da ESE e seguirá um plano de integração dinâmico, focado nas capacidades individuais de cada formando e na autorregulação do grupo.

2 Fase (Aplicar)

Formação – 120 horas (15 semanas)

Numa segunda fase, os formandos deverão aplicar as competências adquiridas em produtos específicos, mas sempre num regime de trabalho cooperativo e/ou colaborativo, mantendo-se o foco no esforço na autorregulação e nas interações sociais.

É uma fase de consolidação, quer do ponto de vista técnico, quer no domínio das interações dos diversos elementos do grupo. Seguindo instruções claras e planeadas, os formandos elaboram um projeto de equipa, que pode ser inspirado nos milhares de exemplos acessíveis em suporte digital (Instructables, Thingiverse, Youtube, etc). Seguirá, por isso uma metodologia de aprendizagem baseada em projetos (PBL) e, nesta fase, estará mais centrada no processo que no produto.

Fase 3: Avaliar Soluções

Oficina – 120 horas

A terceira fase implica já um envolvimento com a comunidade e está assente na utilização de uma plataforma digital de partilha de informação e angariação de projetos. Através de canais diversificados, é feita a disseminação do projeto junto das comunidades de pessoas com deficiência ou mesmo a título individual. Pretende-se ainda que o projeto evolua no sentido incluir voluntários ou estagiários dos cursos profissionais no processo criativo, eventualmente com recurso a pequenos “hackathons“, criando assim uma rede de conhecimento e partilha no desenvolvimento de soluções personalizadas para pessoas com necessidades especiais.

Fase 4: Criação

Oficina – Horário Livre

A quarta fase é concomitante com a anterior e prevê a possibilidade de os formandos avançarem com projetos de autoria, que poderão ser aproveitados como “gatilhos “para contextos reais de produção e motivação para um percurso profissional.

Eventualmente serão criadas condições para uma linha de produção de plantas de emergência tridimensionais para interiores de edifícios ou mapas para conhecimento de espaços e áreas para cegos.

Produtos

Tal como referido, o produto das atividades colaborativas (projetos) será direcionado para diversas áreas, mas tentar-se-á sempre que seja dirigido a públicos carenciados ou com grande necessidade de soluções técnicas que minimizem incapacidades.

Trata-se de aproveitar o potencial da prototipagem e construção acessível, para construir soluções customizáveis que, em geral, apenas estão disponíveis nos circuitos comerciais especializados  com preços proibitivos.

Vejamos alguns exemplos:

Recursos educativos acessíveis

Construção de kits de manipuláveis para utilização em situações de comunicação e aprendizagem em contexto educativo, com recurso a técnicas de fabricação aditiva (3D): mapas em relevo, jogos, modelos de órgãos do corpo humano, astronomia, ciências (STEM). Esses recursos educacionais abertos (OER) podem ser adquiridos pelas escolas de referência para o ensino de alunos cegos e com baixa visão, ou por qualquer instituição com interesse em adquirir produtos acessíveis personalizados.

Recursos para Estimulação sensorial e visual (DVC)

Fabrico de produtos de baixo custo baseados em tecnologias led (e não só) destinados sobretudo a estimulação sensorial, no trabalho com crianças com défice visual cerebral.

Ainda na área da estimulação sensorial geral, construção de alternativas mais baratas aos módulos das salas snoozelen que são em geral dispendiosos e difíceis de encontrar. Com o devido acompanhamento técnico, as equipas serão capazes de construir mesas de luz, quadros de comunicação ou até sistemas com movimento (livros animados) para utilização em contextos pedagógicos.

AAL Domótica

Equipamentos concebidos e construídos para resolver questões de conforto e qualidade de vida e até de segurança (luminosidade, avisos). A área do Ambient Assisted Living inscreve-se no plano das necessidades mais comuns das pessoas com incapacidades e dos idosos que desejam manter a sua autonomia na casa que sempre habitaram (aging in place).

Pequenos dispositivos para manipulação e atividades de vida diária, soluções para a qualidade de vida que passem pela melhoria de condições de iluminação, segurança, acessibilidade ou mesmo soluções de automatização (Internet of Things) mais avançadas, baseadas na programação de Arduinos ou Rasperry Pi, são com certeza propostas possíveis, em função, obviamente, do grau de funcionalidade e literacia tecnológica adquirida pelos formandos.

Maquetas de monumentos nacionais

Construção de peças 3D representativas dos principais monumentos nacionais, como resposta a muitas queixas de cegos que gostariam de ter uma perceção mais clara dos edifícios que visitam. Por se tratar de estruturas de grande dimensão, raramente existem modelos em 3 dimensões que permitam, através do tato, ter uma ideia da volumetria e das formas exteriores dos edifícios. A tecnologia de fabricação aditiva veio trazer novas oportunidades para a construção de réplicas escaláveis, a partir de modelos digitais existentes ou que se venham a construir.

Parece-nos, assim, exequível a possibilidade de construir um acervo de peças clonadas, representativo dos monumentos nacionais mais icónicos, que ficariam disponíveis in situ, em linha com os princípios do Desenho Universal. A construção deste tipo de recursos requer, como se pode imaginar, recursos e expertise técnica que saem da esfera comum dos espaços oficinais existentes na maioria dos centros ou fablabs existentes a nível nacional.

A Escola Superior de Educação, no âmbito do seu trabalho com os cursos técnicos superiores especializados adquiriu recentemente uma impressora 3D capaz de produzir modelos na escala adequada e possui também capacidade técnica para os modelar e renderizar. Essa valência, aliada ao know how que já possui no âmbito do trabalho desenvolvido no se Núcleo de Apoio a Inclusão Digital, deixa antever que se torna quase uma obrigação moral iniciar um plano de construção de um acervo dos monumentos nacionais através destes processos aditivos, complementados por toda a informação em Braille que também pode ser apresentada em formato de simples papel.

Estamos convencidos que um projeto desta natureza iria enriquecer a nossa cultura, tornando-a mais acessível e aberta a todos os cidadãos independentemente das suas capacidades de visão.

Recursos Educativos (OER)

Recursos educativos utilizados principalmente em contextos de estimulação cognitiva são feitos à base de plástico ou madeira. Por vezes são meros kits com formas variadas e texturas a condizer, sem qualquer tipo de complexidade que possa obviar a sua construção por parte de qualquer pessoa com o mínimo de destreza e as ferramentas adequadas.

Trata-se de recursos muito utilizados em infantários, nas equipas de intervenção precoce ou mesmo nas instituições de solidariedade social que tenham a seu cargo crianças ou jovens com necessidades adicionais de suporte.

 Também nesta vertente, a existência de um “catálogo” virtual pode dar pistas para o desenvolvimento de atividade educativas ou para sugestão de recursos alternativos e de igual valor pedagógico.

Design e prototipagem

Soluções criativas construídas com técnicas baseadas em impressão 3D, e principalmente através de corte e gravação a laser, na área do design e sobretudo no design de interiores.

Os novos modelos económicos apontam, para uma personalização dos produtos, tendo em conta que já é possível rentabilizar a produção à escala que se deseja. é uma oportunidade única de desenvolver a criatividade dos “Makers” passando a processos de produção viáveis.

Recursos Humanos

Um FabLab inclusivo não é apenas um local onde existem ferramentas e se constroem coisas. É um local onde as pessoas trabalham em conjunto para um mesmo fim, interagem e concretizam projetos. É por isso muito importante que exista um ambiente estruturado, em que os seus “habitantes” se sintam confortáveis, confiantes e seguros. Num contexto em que coabitam diferentes perfis e personalidades com a as suas próprias idiossincrasias é importante garantir um sistema de regulação das interações e, ao mesmo tempo, um eficaz acompanhamento técnico para que as experiências não se tornem frustrantes.

O projeto conta para isso com uma equipa técnico-pedagógica constituída por um psicólogo e pela equipa de formação especializada que supervisiona as interações, enquanto facilitadora de todo o processo. Existe também uma equipa técnica que planifica, desenvolve e avalia os projetos do ponto de vista da sua exequibilidade, segurança e posterior disseminação

Esta coordenação pedagógica e científica está a cargo de uma equipa especializada da ESE, que estuda agora o arranque de um Curso Tecnológico Superior Especializado que prepara os facilitadores que irão implementar a metodologia colaborativa

Está ainda prevista a existência de um coordenador geral, nomeado pela entidade promotora que acompanha os trabalhos e superintende questões de logística.

Financiamento

O valor social da iniciativa com tudo o que ela pode representar em termos de melhoria da qualidade de vida de jovens em risco de exclusão, através da possibilidade da sua integração no mercado laboral, faz com que nos pareça que o próprio IEFP se possa associar ao um eventual projeto, pelo menos na sua fase inicial.

Por outro lado, o Eixo 1 Inclusão da Iniciativa Interministerial INCoDe.2030 ao pretender “assegurar a generalização do acesso equitativo às tecnologias digitais a toda a população, para obtenção e informação, comunicação e interação”, não pode estar mais alinhado com uma estratégia que alia todas essas dimensões com o espírito de empreendedorismo e a definição de percursos profissionais.

 Conclusão 

Temos a firme convicção de que este é um projeto eclético e pragmático quanto baste, para captar a atenção de muitos jovens em situação de vulnerabilidade e até de exclusão, geralmente associados ao estereotipo da falta de vontade.  Talvez no exercício deste processo construtivo e perante a liberdade criativa que lhes é facultada, nos possam surpreender (e a eles próprios).

A facilidade de acesso a informação técnica hoje disponível nos meios digitais acompanhada de uma supervisão por parte de técnicos devidamente credenciados, pode abrir portas à constituição de equipas de trabalho mistas inclusivas e fazer uma grande diferença no panorama da reabilitação profissional e pessoal de jovens do espectro do autismo ou com outras neurodiversidades funcionais.

 Porto, 29 de março de 2021

Coordenador

Núcleo de Apoio a Inclusão Digital